sexta-feira, 26 de março de 2010

Ganhe a Copa, Brasil!

O título acima é sugestivo. E, claro, o mais apressado poderá até achar que lá vem mais uma coluneta típica de um fã do esporte bretão, devidamente trajado em verde-amarelo e de corneta em punhos. Mas resolvi pinçar um tema, escolher a dedo mesmo um assunto.


Quem tem mais de três décadas de vida em Terra Brasilis vai sacar sobre o que essas malfadadas linhas rascunharão, já que, pela primeira vez, chegaremos a uma Copa do Mundo com pedigree. O sentimento de “vira lata” tão bem descrito por Nélson Rodrigues, e que nos acometeu e ainda nos acomete, pela primeira vez não estará mais presente de corpo e alma quando a bola rolar na África do Sul. Talvez, ainda de alma, mas de corpo, não sei...

Chegaremos à África fazendo parte do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, mesmo como membro temporário. Chegaremos à África, com a inflação sob controle, com o real visto e respeitado como moeda no estrangeiro, com taxa de crescimento anual de nossa economia por volta dos 5%, com a integração de milhares de pessoas, antes alocadas na linha da miséria, à sociedade.

Desembarcaremos na África do Sul como postulantes a mediar um conflito secular entre israelenses e palestinos e com uma boa possibilidade de vermos um brasileiro, que não fala inglês, que veio das camadas mais pobres da população e sem diploma, tornar-se Secretário-Geral das Nações Unidas. Um feito! Melhor. Um golaço!!!

Vamos desembarcar sim no continente vizinho, como um dos entusiastas da criação de um grupo de 20 países e que soterrou o famoso G-7. Chegaremos como os próximos organizadores do Mundial e também como sede do maior encontro desportivo do planeta, no que diz respeito à diversidade, os Jogos Olímpicos.

Mesmo assim, não nos comportaremos mal por sermos uma das prováveis potências globais de petróleo, com o pré-sal, e de água potável. Seremos educados, porque nosso povo é de boa índole. Não seremos arrogantes como nosso maior vizinho de continente, que quando desembarcou aqui para disputar os Jogos Panamericanos, disse que havia chegado à África, o que, porventura, muito nos orgulha. Boa parte de nossa ginga na bola, na música e na cultura têm lá sua conexão com esse continente vizinho ao nosso.

É de nossa índole a boa educação, a amorosidade. É por isso que certamente pediremos licença e a palavra a Nélson Mandela, símbolo de grande respeito e admiração por quem não chancela a discriminação como fator de diferença entre os seres humanos... Apenas tomaremos a palavra, para ainda dizermos que nosso sistema financeiro é sólido, que a crise global por aqui foi sim uma marolinha e que ainda, de quebra, além de termos pago o FMI, temos mais de duas centenas de bilhões de dólares debaixo do colchão. Mas, de novo, nesse colóquio, não cabe arrogância. Cabe o sentimento de um aluno que cumpre, com louvor, o seu dever e que se aventura a querer superar quem o ensinou.



Há muito por fazer


Também não se trata aqui de querer pintar um quadro cor-de-rosa, porque nossa gente, o povo de verdade, não costuma tapar o sol com a peneira. E sabe que chegaremos à África com os mesmos problemas de outrora. A Justiça, cada brasileiro conhece, é morosa. A discriminação, ainda que velada, está por todo o lugar. As favelas, então, estão espalhadas pelos quatro cantos do País. E a corrupção, fundada em boa parte naquilo que o futebol foi mestre em disseminar “o jeitinho brasileiro”, é uma praga longe de uma vacina eficaz. Sim, temos uma pancada de abacaxis pela frente, mas somos brasileiros e...

Só que o fato mesmo é que “nunca antes na história desse País”, chegaremos a um Mundial de cabeça tão erguida, e por motivos outros que não a bola, como neste próximo. E não tem nada de nariz em pé nisso aí. Desembarcaremos na África do Sul, com a certeza de que as medidas para que possamos, enfim, vestir o nosso terno de “potência”, já foram tiradas pelos melhores alfaiates do planeta. E o que nos resta é simplesmente vesti-lo e calçar as sandálias da humildade. Uma tarefa das mais difíceis, mas já aprendida pelo sertanejo nordestino, um sujeito que insistimos em dar às costas. Quem nunca viu a figura de um sertanejo a usar seu melhor terno e um par de sandálias?

Enfim, é como Chico Buarque um dia cantarolou... “Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal... Ainda vai tornar-se um imenso Portugal”. E mais adiante o gênio fulmina... “Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal... Ainda vai tornar-se um império colonial”. Pois, então...

É por tudo isso e mais um pouco, que torcerei, talvez como nunca, nesta copa, pelo meu país. Porque desta vez a vitória não será mais do país do futuro, será sim do país do presente. Pape essa, Brasil!

Por Maurício Capela

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